GERAL

O perfil dos ministros da educação do Brasil e o que esperar do futuro

26 de dezembro de 2018
O Brasil terá em 2019 um ministro da educação de perfil liberal. O filósofo Ricardo Vélez Rodríguez nasceu em Bogotá, Colômbia, em 1943, e é autor de A Democracia Liberal segundo Alexis de Tocqueville e A Grande Mentira: Lula e o Patrimonialismo Petista. A indicação foi celebrada pelo Instituto Liberal, que, em nota, declarou: “Temos a imensa felicidade de contar com esse gigante em nossa história. Discípulo de Antonio Paim, o professor Velez é autor de importantes estudos acerca do pensamento brasileiro, o liberalismo e o patrimonialismo. Em seu blog, o ministro indicado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro publicou um texto explicando suas intenções ao assumir o cargo. “Enxergo, para o MEC, uma tarefa essencial: recolocar o sistema de ensino básico e fundamental a serviço das pessoas e não como opção burocrática sobranceira aos interesses dos cidadãos, para perpetuar uma casta que se enquistou no poder e que pretendia fazer, das Instituições Republicanas, instrumentos para a sua hegemonia política”, escreveu. “Ora, essa tarefa de refundação passa por um passo muito simples: enquadrar o MEC no contexto da valorização da educação para a vida e a cidadania a partir dos municípios, que é onde os cidadãos realmente vivem.

Alternância saudável

Antes de Vélez Rodrigues, outros dois profissionais com perfis diferentes, mas também mais alinhados a um perfil liberal, responderam pela pasta durante o governo de Michel Temer: o atual ministro, o gaúcho Rossieli Soares, e seu antecessor, José Mendonça Filho, filiado ao DEM. Antes deles, o Brasil teve oito ministros indicados pelos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que mantiveram o PT no governo de 2003 a 2016: pela ordem, Cristovam Buarque, Tarso Genro, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante, José Henrique Paim, Cid Gomes, Luiz Cláudio Costa, Renato Janine Ribeiro e, mais uma vez, Aloizio Mercadante.

A alternância no perfil dos ministros acompanha as mudanças no grupo político que está no governo. Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, era Paulo Renato de Souza, um profissional de características muito diferentes de, por exemplo, José Goldemberg, ministro do presidente Collor, ou Marco Maciel a Jorge Bornhausen, ministros do presidente Sarney. Se em geral existe, na condução das políticas educacionais, uma alternância saudável no perfil ideológico dos ministros, uma coisa muda muito pouco: em geral, o ministério da Educação é um posto de indicação muito mais política do que técnica. Um levantamento de 2012, realizado por Valdocir Antonio Esquinsani e Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, da Universidade de Passo Fundo, traçou um perfil de todas as pessoas que ocuparam a pasta até hoje (leia mais no quadro, atualizado com os dados dos ministros de 2012 até hoje). O perfil pessoal que se sobressai é muito claro: os ministros da educação, na média, são homens, advogados, formados em instituições de ensino públicas e nascidos principalmente em Minas Gerais, Bahia, São Paulo ou Rio Grande do Sul.

Forte lastro político

A primeira pasta governamental dedicada à educação foi criada novembro de 1930, com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública. Essa foi uma das primeiras medidas tomadas pelo presidente Getúlio Vargas. Até 1953, saúde e educação continuariam a ser tratadas pelo mesmo ministério. O primeiro ministro da educação, Francisco Luís da Silva Campos, era advogado – a profissão se tornaria a mais recorrente entre os ocupantes da pasta. Campos era mineiro. Curiosamente, Minas Gerais tem a maior quantidade de ministros, 15, mas nenhum ministro é nascido neste estado desde 1966. Momentos de instabilidade política provocaram trocas rápidas de ministros. Entre 1961 até 1964, do início do governo de Jânio Quadros até a queda do presidente João Goulart, foram sete ministros. Mas também houve momentos de trocas intensas durante governos mais estáveis. Destaque para Juscelino Kubitschek, que mudou o comando da pasta sete vezes em cinco anos. “A partir de meados da década de 1990, houve uma relativa perenidade de ministros no cargo”, afirmam os pesquisadores Valdocir Antonio Esquinsani e Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, que sugerem que a escolha por advogados indica que “as escolhas para o cargo têm tido, ao longo da história, um forte lastro político”. Curiosamente, pouquíssimos ministros passaram por licenciaturas. São, portanto, poucos os professores que assumiram a pasta. Além disso, num país em que 80% dos professores de ensino básico são mulheres, a educação só foi comandada por uma mulher, e durante a ditadura militar: a paulista Esther de Figueiredo Ferraz foi ministra entre 24 de agosto de 1982 e 15 de março de 1985. Esther, aliás, foi a primeira ministra mulher da história do Brasil, em qualquer pasta. Antes de chegar ao posto, foi professora de português, francês, latim e matemática. Desde a redemocratização, os critérios utilizados para escolher os chefes da educação combinam com o perfil dos ministros brasileiros das últimas três décadas: “São pessoas acima dos 50 anos de idade, do sexo masculino, recrutadas nos estados mais ricos e que estudaram nas melhores escolas”, conclui um levantamento de 2017, produzido por Maria Celina Soares D’Araujo, professora da Universidade Católica do Rio de Janeiro, e Guilherme Leite, doutorando em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O levantamento se referente aos ministros brasileiros de todas as pastas, desde 1985. “Mostra-se a tímida democratização do ministério no que toca ao gênero e etnia”, aponta o estudo.

Desafio continental

Independentemente do perfil político e ideológico de quem comanda a pasta, o novo ministro tem diante de si uma estrutura enorme, com desafios da mesma proporção. Atualmente, o Ministério de Educação tem um orçamento anual da casa dos R$ 100 bilhões. Deste total, 58,1% é dedicado aos gastos obrigatórios com pessoal – em 2012, o percentual era bem menor, de 29,8%. O Brasil tem, no ensino básico (que engloba o fundamental e o médio), 2,2 milhões de professores, distribuídos por 186.100 escolas municipais, estaduais, federais e particulares, atendendo a 48,8 milhões de alunos, o equivalente à população da Colômbia, a terra natal do novo ministro. O ministério engloba uma série de secretarias: Secretaria Executiva (SE), Secretaria de Educação Superior (Sesu), Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), Secretaria de Educação Básica (SEB), Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) e Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres). Entre os órgãos vinculados estão o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (Responsável pelos exames Enade, Revalida e Enem), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Educação (CNE), a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), o Instituto Benjamin Constant (IBC), o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Algumas normas e estruturas estão estabelecidas por lei. Por exemplo, o ministério segue hoje as diretrizes e estratégias definidas no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovada em 2014 e que contém uma linha da ação para uma década inteira. Já para alterar os conteúdos das disciplinas e dos materiais didáticos, para, por exemplo, mudar a maneira como o conteúdo aborda o golpe militar de 1964, seria necessário promover mudanças na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Quem aprova essas alterações é o Conselho Nacional de Educação, cujos conselheiros tiveram o mandato renovado pelo presidente Temer. Para mudar parte da formação da mesa diretora, será necessário esperar por dois anos. Além disso, o INEP, responsável por elaborar a prova do Enem, é, hoje, um órgão independente de ingerência governamental. Ou seja, o ministro indicado Ricardo Vélez Rodríguez precisaria promover alterações importantes na legislação para implementar algumas das iniciativas de Jair Bolsonaro, como a cobrança de mensalidades em universidade públicas, a instauração de vouchers para famílias pobres colocarem seus filhos na escola, a retirada de conteúdo a respeito da orientação sexual nos materiais didáticos ou a permissão para que o presidente da República aprove o conteúdo da prova do Enem. “Todo ministro precisa seguir uma série de diretrizes, que estão acima das ideologias”, afirma José Moran, professor aposentado de Novas Tecnologias na USP e um dos fundadores do Projeto Escola do Futuro. Ainda assim, diz ele, o novo responsável pela pasta tem diante de si um desafio importante. “O que a educação precisa hoje é privilegiar a educação básica. Como a maior parte dos alunos do ensino superior é atendido por instituições particulares, o foco no ensino fundamental e médio, que ainda é majoritariamente fornecido por instituições públicas, se torna cada dia mais importante”.

Muitos homens, poucos professores Um perfil dos ministros da educação ao longo da história

- O Brasil teve até hoje 61 ministros da educação, definitivos ou interinos. - De todos eles, apenas 1 era mulher: Esther de Figueiredo Ferraz, ministra entre 24 de agosto de 1982 e 15 de março de 1985. - Apenas 16 vieram de alguma licenciatura. - Apenas 4 completaram sua formação em instituições particulares de ensino. - 15 ministros nasceram em Minas Gerais, 11 na Bahia, 9 em São Paulo e 9 no Rio Grande do Sul." [caption id="attachment_15592" align="aligncenter" width="1024"] "Presidente João Figueiredo e a professora Esther Figueiredo Ferraz, única mulher a chefiar o Ministério da Educação."[/caption]
PB Agência Web