No dia seguinte ao cumprimento do mandado de reintegração de posse na comunidade de Alecrim, em Pinhão, os moradores ainda tentavam entender o acontecimento. A maioria deixou os pertences em casas de parentes e amigos e ainda não sabia o que fazer com as criações. As roças foram plantadas, mas não serão colhidas. De um dia para o outro 22 famíalias ficaram sem trabalho e sem lugar para morar. Pela manhã, algumas casas ainda estavam sendo demolidas.
A gente ficou desnorteado, passou o dia, passou a noite, e parecia ser uma hora só. Assim resumiu o senhor Aldoíno Branda, que com a esposa e filho viveu em Alecrim por 22 anos.
Demoliram duas casas que eu consegui trabalhando, desabafa João da Luz, que viveu com a família por sete anos na terra. Na manhã de ontem (1º) a ordenha das 50 vacas leiteiras foi interrompida por policiais, oficial de justiça e homens contratados pela Zattar para remover os moradores do local. O leite que já estava tirado foi jogado fora. Logo a máquina chegou e destruiu a propriedade. Tudo em poucas horas.
Tenho cinquenta cabeças de gado, que consegui em sete anos, tenho carneiros, porcos, onde vou colocar hoje?, se questiona. Pertences como móveis e ferramentas estão na casa de dois amigos. Desde hoje ele não tem mais a fonte de renda para sustentar a família.
Sabe o que é ver as casas dos vizinhos todas moídas? É muita revolta, disse em tom de desabafo Ana Maria dos Santos Ferreira da Silva. Nos últimos 25 anos ela estruturou a propriedade. Casa em alvenaria, paios, abrigo para animais, tanques de peixe, cercas, plantações, até uma pista de laço foi construída na propriedade. Tudo foi abaixo na manhã de hoje (2).
Ao lado das três filhas e de amigos que vieram lhe apoio ela assistiu em prantos a máquina avançar sobre a casa. Em minutos tudo virou entulho.
Estou na casa da minha filha, em Pinhão, amontoada com três famílias que não sabem o que fazer, disse.
Precisava de tudo isso? Essa covardia. Ninguém foi avisado. É justo você morar na sua terra a vida inteira e seis horas da manhã te dão o prazo de uma hora para tirar as suas coisas ou eles irão passar com a máquina por cima?, desabafa a filha de Ana, Juliana Ferreira, de 23 anos. Ela, assim como dois irmão, nasceu e viveu a maior parte da vida na casa que assistiu ser destruída na manhã de hoje (2).
Nem a igreja e o posto de saúde da comunidade foram poupados. Desde ontem, homens de uma empresa de segurança armada acompanha todos os passos que são dados na área agora retomada pelo Zattar.
Preocupação
Outros 16 mandados de reintegração de posse já estão autorizadas. A próxima para quinta-feira (7/12). As informações ainda são desencontradas, mas a preocupação de 1/3 dos moradores de Pinhão é muito grande .
Na manhã desse sábado (2/12) moradores se reuniram para buscar estrategias de organização. Sem possibilidade de recorrer dos processos, a esperança é uma intervenção do Estado. Esse desejo, aliá, é antigo. Há pelo menos 20 anos os camponeses aguardam uma ação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Força policial
A ação que permitiu a retirada, ontem (1º), de 22 famílias de suas casas é de 1997. Estava suspensa. Não foi cumprida, ao longo dos anos, em alguns momentos por acordo, em outros momentos por falta de efetivo policial. A força policial deve ser enviada pelo estado. Na ação de ontem o Governo do Estado garantiu à empresa Zattar o que faltava para retirar as famílias: um efetivo de policiais militares. As máquinas e caminhões para remover os bens que sobraram dos moradores foram pagas pela empresa Zattar.
Na semana passada, em entrevista à Rádio Cultura, Hamilton Serighuelli foi perguntado se o governador Beto Richa e sua equipe fariam diálogo com o judiciário sobre as reintegrações. Ele é Assessor Especial para Assuntos Fundiários, ligado à Casa Civil do Estado.
Desde 2011 o governo está trabalhando na interlocução entre movimentos sociais, judiciário, Ministério Público, polícia, e temos buscado resolver tudo pacificamente. Tanto judiciário, quanto Ministério Público tem sido muito parceiros para encontrar soluções, disse o assessor. Ele ressaltou, no entanto, que cabe ao Incra resolver o problema.
Ainda segundo ele, é desejo do governador resolver o problema do conflito em Pinhão até o final do seu mandato.